Minha coisa preferida
08.março.2005

“When the dog bites.
When the bee stings.
When I'm feeling sad.
I simply remember my favorite things,
And then I don't feel so bad…”

(Julie Andrews – A Noviça Rebelde”)

No filme “A Noviça Rebelde”, Maria, ainda como governanta, ensina às crianças da casa uma técnica para todo o mal sumir: pensar em suas ‘coisas preferidas’. E canta uma música que realmente faz o mundo parecer o melhor.

Antes mesmo de assistir a esse filme, eu já usava esse procedimento: lembrar de coisas boas na hora de qualquer aperto. Se tinha que ir ao dentista, pensava em um fondue de chocolate enquanto a broca percorria o meu dente. Se a aula estava muito chata, me imaginava em uma praia maravilhosa. Se tinha que fazer prova, lembrava do Natal. Fui assim por toda a minha vida. Sempre imaginando uma compensação que me fizesse esquecer os males provisórios.

Há quase 11 anos, inseri um item nessa minha lista de ‘coisas preferidas’, e ele se tornou o principal alívio nos meus períodos difíceis. Era trazê-lo à minha mente que a mágica da noviça Maria funcionava imediatamente: todo o mal desaparecia. O tal item se tornou tão eficiente que aos poucos fui eliminando os outros. Ele (ou melhor ela) bastava para que o mundo voltasse a ser colorido quando qualquer mal-estar viesse me perturbar. Era lembrar da sua existência que os problemas perdiam sua dimensão. Nada mais era tão importante quanto ela.

Minha cachorrinha. Minha filha. Minha Menina.

Mas e agora? E agora que eu preciso me lembrar urgentemente de alguma coisa boa para aliviar exatamente a sua partida? Não me vem mais nada à cabeça, apenas os momentos todos em que vivemos juntas. Seu nascimento, suas brincadeiras de jogar bolinhas embaixo do sofá, sua patinha constantemente sobre o meu joelho, sua gulodice sem fim, seu andar de ‘ladinho’ quando envergonhada, sua alegria ao ser convidada para passear, suas maria-chiquinhas, sua paixão por ossinhos de couro, suas ninhadas, seu carinho em todos os momentos, sua docilidade com qualquer um que se aproximasse, sua presença em minha cama todas as noites, sua mania de ser minha sombra.

O mundo realmente vai perder um pouco de cor. Algumas pessoas não entendem como eu posso definir o sentimento que tenho por ela como ‘amor maternal’. Mas na verdade é muito mais do que isso. Ela não é só minha filhinha... é minha amiga, minha companheira, meu aconchego, minha recompensa, meu amor. E nada, nada que eu pense agora vai amenizar essa dor. Gostaria que agora a noviça rebelde me desse uma solução, mas acho que não existe canção, nem pensamento que suavize esse momento. Tudo à minha volta se calou.

Hoje me perguntei por que os animais vivem tão pouco, em comparação com a estimativa de vida do ser humano. E a resposta me veio imediatamente. Quando uma pessoa morre muito jovem, sempre nos falam que ela já havia cumprido a sua tarefa nesse mundo, que deveria ser tão boa que não precisava passar por sofrimentos por aqui. Imagino então que os animais realmente são seres que cumprem rapidamente a tal tarefa e voltam para algum lugar encantado onde as “pessoas realmente boas” devem viver para sempre. E essa tarefa deles deve ser exatamente amenizar nossas dores, se tornar nossa companhia, se fazer uma das nossas “coisas preferidas”, para tornar a nossa jornada, tão maior, menos árdua de se cumprir.

A Menina vai continuar para sempre alegrando a minha vida. Sua lembrança vai constantemente iluminar a minha alma e acredito que ela vai estar comigo em cada momento que eu precisar de algum consolo para amenizar a saudade que eu vou sentir. Afinal, não acredito que coisa boa alguma no mundo supere a sua própria recordação. Ela vai ser – para sempre – a minha coisa preferida.

Paula Pimenta
Autora do livro de poemas "Confissão"

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